Porque é que eu como todos os dias 2 castanhas do Brasil?
A castanha do Brasil tem vários nutrientes que outros frutos secos também têm, incluindo gorduras saudáveis, antioxidantes, vitaminas, minerais e fibras. No entanto, a razão pela qual eu como 2 castanhas do Brasil quase todos os dias é porque elas são o alimento mais rico num oligoelemento muito importante e mineral essencial chamado selénio. Dado que a maioria dos europeus têm falta de selénio [1], a otimização deste nutriente é uma questão muito importante a ter em consideração.
Então mas porque é que devemos garantir que consumimos selénio suficiente? Porque é que é assim tão importante?
O selénio é crucial para a saúde humana. A sua potente atividade anti-inflamatória, anti-viral, antioxidante e até anti-cancerígena tem sido comprovada cientificamente [2]. É também crucial para a fertilidade e reprodução, e para a saúde do nosso cérebro, como vão ler mais em baixo.
O selénio é um componente essencial de muitas enzimas (chamadas selenoproteínas) envolvidas no metabolismo e nas defesas antioxidantes. Por exemplo, é um componente da glutationa peroxidase, que é uma enzima que converte o peróxido de hidrogénio em água. Esta enzima protege, portanto, as nossas células dos efeitos adversos do peróxido de hidrogénio, tendo assim uma atividade antioxidante potente. Acredita-se que esta seja a principal razão pela qual o selénio é tão crucial para a nossa saúde.
Em baixo, vou dar-vos mais detalhes sobre a importância do selénio para a função da tiróide, prevenção do cancro, activitade do sistema imunitário, fertilidade e reprodução, e saúde do cérebro.
Tiróide
Provavelmente já ouviram dizer que a nossa tiróide precisa de iodo para funcionar adequadamente. Mas o que muitas pessoas não sabem é que o selénio é também crucial para a nossa tiróide. Na verdade, a tiróide é o órgão do corpo humano com maior conteúdo de selénio por grama de tecido [3]. Como as células da tiróide produzem peróxido de hidrogénio continuamente ao longo da vida, é muito importante haver um sistema eficaz de defesa das células contra este composto (e os seus derivados – espécies reativas de oxigénio). Isto acontece quando a enzima glutationa peroxidase (dependente de selénio) está a funcionar adequadamente. Portanto, esta enzima é essencial para a manutenção da função e proteção da tiróide [4]. Além disso, o selénio é um constituinte de outras enzimas da tiróide, como as desiodinases, que produzem a hormona activa da tiróide, a triiodotironina (T3), a partir da sua precursora inativa, a tiroxina (T4) [3].
A doença de Hashimoto é uma doença auto-imune que afeta a glândula da tiróide e geralmente resulta em hipotiroidismo com surtos de hipertiroidismo. A doença de Grave é outra doença autoimune da tiróide caracterizada por hipertiroidismo. Vários estudos mostraram que a suplementação com cerca de 200 mcg de selénio por dia (equivalente a consumir cerca de 3 castanhas da Brasil por dia) pode melhorar os sintomas e marcadores de doença (anticorpos da tiróide) em pacientes com doença de Hashimoto [5, 6] e doença de Grave [7].
Prevenção do cancro
O selénio tem importantes propriedades antioxidantes. Como mencionado em cima, o selénio é um componente essencial da enzima glutationa peroxidase, que atua como um antioxidante, protegendo as células dos radicais livres (stresse oxidativo), que como provavelmente já ouviram falar, estão associados ao desenvolvimento do cancro.Vários estudos mostraram que níveis mais altos de selénio estão associados a uma diminuição do risco de morte devido a vários tipos de cancro assim como diminuição da mortalidade devido a qualquer causa [8-10]. Além disso, o selénio pode desencadear a apoptose (morte celular) das células estaminais cancerígenas da leucemia [11].No entanto, não é ainda claro se a suplementação será útil para a prevenção do cancro [12]. E isto é parte da razão pela qual eu recomendo dar preferência ao selénio em alimentos em vez de suplementos (mais sobre isto em baixo).
Sistema imunitário
O papel fundamental do selénio para o nosso sistema imunitário já foi reconhecido [13, 14]. Níveis adequados de selénio são importantes para iniciar a actividade imunitária e também para regular respostas imunitárias excessivas e a inflamação crónica [15].O selénio é encontrado em tecidos do sistema imunitário, como fígado, baço e nódulos linfáticos, e tem sido demonstrado que um baixo nível de selénio tem efeitos negativos na resposta imunitária, enquanto que a suplementação de selénio pode aumentar a atividade das células do sistema imunitário [2]. A falta de selénio está ligada à ocorrência, virulência ou progressão de algumas infecções virais [2] e a suplementação com selénio pode ajudar a combater infecções virais e bacterianas [16]. Por exemplo, parece ser um nutriente essencial para contrariar o desenvolvimento de virulência e inibir a progressão do HIV para a SIDA [2, 16, 17]. O selénio também é importante para combater o vírus da gripe [16].Para além disto, o selénio também pode ser útil para o tratamento da asma crónica [18].
Fertilidade e Reprodução
O selénio também é crucial tanto para a concepção humana como para uma gravidez saudável [19].É necessário para a fertilidade masculina, pois é necessário para a síntese da testosterona, para a formação, desenvolvimento e motilidade dos espermatozóides[2, 19].Vários estudos também mostraram que o selénio pode reduzir o risco de aborto espontâneo. Os cientistas descobriram que as mulheres que tiveram abortos espontâneos no primeiro trimestre da gravidez tinham níveis mais baixos de selénio no sangue [20, 21]. Eles sugerem que isto pode estar relacionado com a redução da proteção antioxidante devido à baixa concentração da enzima glutationa peroxidase, dependente de selénio. Além disso, a falta de selénio pode levar a complicações gestacionais e danos do sistemas nervoso e imunológico do feto [19].Consumir quantidades adequadas de selénio durante a gravidez também é importante para prevenir a tiroidite e o hipotiroidismo pós-parto [22].
Saúde do cérebro
O selénio também é crucial para o nosso cérebro.Baixos níveis de selénio no sangue estão associados a uma maior incidência de depressão, ansiedade, confusão e outros estados negativos de humor, mas a suplementação com selénio parece diminuir estes distúrbios [23-25].Além disso, baixos níveis de selénio poderão ser um fator de risco para o declínio cognitivo [26]. De facto, concentrações baixas de selénio no sangue em idosos estão associadas a um declínio cognitivo mais acelerado [27, 28] e a concentração de selénio no cérebro é muito menor em pacientes com doença de Alzheimer do que em pessoas sem esta doença [28]. Os cientistas também mostraram que o consumo da castanha do Brasil não só pode restaurar a deficiência de selénio, como também aumentar a atividade da glutationa peroxidase e ter efeitos positivos sobre a função cognitiva em adultos mais velhos com distúrbios cognitivos [27]. O cérebro tende a acumular produtos de peroxidação como o peróxido de hidrogénio e por isso, as enzimas que o removem, como a peroxidase da gutationa (dependente do selénio, como mencionado acima) são absolutamente cruciais [2].Além disso, alguns estudos mostraram que a suplementação com selénio pode também reduzir as crises epilépticas intratáveis em crianças [29, 30].
Suplementos de selénio vs alimentos
Um estudo que investigou a biodisponibilidade (ou seja, absorção) de selénio na castanha do Brasil mostrou que a ingestão de apenas 2 castanhas por dia durante 12 semanas era tão eficaz para aumentar o status de selénio no sangue como 100 mcg de um suplemento de selenometionina [31]. Portanto, não há de facto nenhuma necessidade de suplementar este importante oligoelemento, quando podemos obtê-lo diretamente de um alimento.E para além disso, a verdade é que ainda não sabemos as interações que podem existir entre nutrientes presentes nos alimentos. É possível que o selénio funcione melhor quando fornecido juntamente com outros nutrientes – não sabemos. E honestamente, se existe um alimento com quantidades tão elevadas de selénio, para quê tomar um suplemento? Acredito que, antes de mais nada, devemos comer alimentos saudáveis que já nos fornecerão uma boa quantidade de nutrientes, e só tomarmos suplementos quando realmente necessário.No entanto, se por qualquer motivo preferirem tomar um suplemento de selénio, optem por formas orgânicas (selenometionina e selenocisteína), que são melhor absorvidas do que as formas inorgânicas (selenito e selenato) [32].
Demasiado selénio
O selénio é um oligoelemento, o que significa que só precisamos de pequenas quantidades (na escala dos microgramas).Alguns estudos mostraram que o efeito do selénio na saúde humana assume uma forma em U. Isto significa que ter muito pouco pode ser um fator de risco para todas as doenças mencionadas acima e provavelmente mais ainda; no entanto, o excesso de selénio também é contraproducente e pode também aumentar o risco de cancro, por exemplo [33]. Os investigadores acreditam que os níveis ideais de selénio no sangue estão entre 100 e 130 mcg/L [8, 33]. A dose diária recomendada de selénio é de 55 mcg / dia, mas o limite é de 400 mcg / dia para adultos. A maioria dos estudos referidos neste artigo utilizou uma dose de 200 mcg / dia, o que equivale a cerca de 3 castanhas do Brasil. É por isso que, para a saúde em geral, não recomendo comer mais de 3 castanhas do Brasil por dia. Podem apontar para comer pelo menos 1-2 castanhas do Brasil por dia para terem a certeza que estão a ingerir selénio suficiente. Esta quantidade dependerá claro se tiverem algum problema de saúde ou se tiverem feito análises e souberem que têm falta de selénio. Nestes casos, vão provavelmente beneficiar de um aumento da ingestão de selénio (castanhas do Brasil) durante um certo período de tempo (nos estudos que mencionei neste artigo, a suplementação com 200 mcg de selénio variou entre 3 meses e 1 ano). Mas nestes casos, informem-se com o vosso profissional de saúde!
Espero que tenham achado este artigo útil! E que comecem a comer castanhas do Brasil (em moderação) 🙂
Digam-me o que acham sobre este tópico nos comentários em baixo 🙂
Ana Coito, PhD
PS: Se ainda não o fizeram, podem subscrever a nossa newsletter gratuita aqui.
Referências
- Stoffaneller, R. and N.L. Morse, A review of dietary selenium intake and selenium status in Europe and the Middle East. Nutrients, 2015. 7(3): p. 1494-537.
- Rayman, M.P., The importance of selenium to human health. Lancet, 2000. 356(9225): p. 233-41.
- Schomburg, L. and J. Kohrle, On the importance of selenium and iodine metabolism for thyroid hormone biosynthesis and human health. Mol Nutr Food Res, 2008. 52(11): p. 1235-46.
- Kohrle, J., The trace element selenium and the thyroid gland. Biochimie, 1999. 81(5): p. 527-33.
- Toulis, K.A., et al., Selenium supplementation in the treatment of Hashimoto’s thyroiditis: a systematic review and a meta-analysis. Thyroid, 2010. 20(10): p. 1163-73.
- Mazokopakis, E.E., et al., Effects of 12 months treatment with L-selenomethionine on serum anti-TPO Levels in Patients with Hashimoto’s thyroiditis. Thyroid, 2007. 17(7): p. 609-12.
- Marcocci, C., et al., Selenium and the course of mild Graves’ orbitopathy. N Engl J Med, 2011. 364(20): p. 1920-31.
- Bleys, J., A. Navas-Acien, and E. Guallar, Serum selenium levels and all-cause, cancer, and cardiovascular mortality among US adults. Arch Intern Med, 2008. 168(4): p. 404-10.
- Hughes, D.J., et al., Selenium status is associated with colorectal cancer risk in the European prospective investigation of cancer and nutrition cohort. Int J Cancer, 2015. 136(5): p. 1149-61.
- Cai, X., et al., Selenium Exposure and Cancer Risk: an Updated Meta-analysis and Meta-regression. Sci Rep, 2016. 6: p. 19213.
- Gandhi, U.H., et al., Selenium suppresses leukemia through the action of endogenous eicosanoids. Cancer Res, 2014. 74(14): p. 3890-901.
- Vinceti, M., et al., Selenium for preventing cancer. Cochrane Database Syst Rev, 2014(3): p. CD005195.
- Arthur, J.R., R.C. McKenzie, and G.J. Beckett, Selenium in the immune system. J Nutr, 2003. 133(5 Suppl 1): p. 1457S-9S.
- Ferencik, M. and L. Ebringer, Modulatory effects of selenium and zinc on the immune system. Folia Microbiol (Praha), 2003. 48(3): p. 417-26.
- Huang, Z., A.H. Rose, and P.R. Hoffmann, The role of selenium in inflammation and immunity: from molecular mechanisms to therapeutic opportunities. Antioxid Redox Signal, 2012. 16(7): p. 705-43.
- Steinbrenner, H., et al., Dietary selenium in adjuvant therapy of viral and bacterial infections. Adv Nutr, 2015. 6(1): p. 73-82.
- Stone, C.A., et al., Role of selenium in HIV infection. Nutr Rev, 2010. 68(11): p. 671-81.
- Allam, M.F. and R.A. Lucane, Selenium supplementation for asthma. Cochrane Database Syst Rev, 2004(2): p. CD003538.
- Pieczynska, J. and H. Grajeta, The role of selenium in human conception and pregnancy. J Trace Elem Med Biol, 2015. 29: p. 31-8.
- Barrington, J.W., et al., Selenium and recurrent miscarriage. J Obstet Gynaecol, 1997. 17(2): p. 199-200.
- Barrington, J.W., et al., Selenium deficiency and miscarriage: a possible link? Br J Obstet Gynaecol, 1996. 103(2): p. 130-2.
- Drutel, A., F. Archambeaud, and P. Caron, Selenium and the thyroid gland: more good news for clinicians. Clin Endocrinol (Oxf), 2013. 78(2): p. 155-64.
- Benton, D. and R. Cook, Selenium supplementation improves mood in a double-blind crossover trial. Psychopharmacology (Berl), 1990. 102(4): p. 549-50.
- Conner, T.S., A.C. Richardson, and J.C. Miller, Optimal serum selenium concentrations are associated with lower depressive symptoms and negative mood among young adults. J Nutr, 2015. 145(1): p. 59-65.
- Li, Z., et al., Association of total zinc, iron, copper and selenium intakes with depression in the US adults. J Affect Disord, 2018. 228: p. 68-74.
- Berr, C., J. Arnaud, and T.N. Akbaraly, Selenium and cognitive impairment: a brief-review based on results from the EVA study. Biofactors, 2012. 38(2): p. 139-44.
- Rita Cardoso, B., et al., Effects of Brazil nut consumption on selenium status and cognitive performance in older adults with mild cognitive impairment: a randomized controlled pilot trial. Eur J Nutr, 2016. 55(1): p. 107-16.
- Rita Cardoso, B., et al., Selenium status in elderly: relation to cognitive decline. J Trace Elem Med Biol, 2014. 28(4): p. 422-6.
- Weber, G.F., et al., Glutathione peroxidase deficiency and childhood seizures. Lancet, 1991. 337(8755): p. 1443-4.
- Ramaekers, V.T., et al., Selenium deficiency triggering intractable seizures. Neuropediatrics, 1994. 25(4): p. 217-23.
- Thomson, C.D., et al., Brazil nuts: an effective way to improve selenium status. Am J Clin Nutr, 2008. 87(2): p. 379-84.
- Thiry, C., et al., An in vitro investigation of species-dependent intestinal transport of selenium and the impact of this process on selenium bioavailability. Br J Nutr, 2013. 109(12): p. 2126-34.
- Rayman, M.P., Selenium and human health. Lancet, 2012. 379(9822): p. 1256-68.