Coisas que precisa de saber sobre a meditação

Pontos-chave

  • A meditação pode ser definida como a capacidade de treinar e regular intencionalmente a atenção em cada instante com a finalidade de relaxar e acalmar a mente e o corpo.
  • Às vezes a carga que pomos na nossa mente é tão pesada que ela não consegue funcionar em pleno. É especialmente nestes momentos que precisamos da meditação.
  • A meditação reduz o stress e melhora o auto-controlo, depressão, função executiva, como inibição, memória de trabalho (memória de curto prazo), flexibilidade cognitiva, resolução de problemas, atenção e tomada de decisão.
  • A meditação pode reverter a perda de memória em indivíduos em risco de desenvolver doença de Alzheimer.
  • A meditação de atenção (ou consciência) plena (“mindfulness”) tem sido associada a uma redução do biomarcador inflamatório Interleucina-6, que influencia muitas doenças como a asma, diabetes, depressão, aterosclerose, cancro, doença de Alzheimer, artrite reumatóide e muito mais.

Acho que todos nós já vimos filmes em que os protagonistas têm uma vida difícil e quando sentem que chegaram ao fim e não podem ir mais longe, descobrem o lado espiritual da vida e começam a encontrar a paz. Alguns deles podem ir para a Índia, Nepal ou Tibete numa caminhada espiritual. Depois disso, eles ficam pessoas diferentes e a sua vida torna-se muito melhor, e o filme geralmente tem um final feliz. 🙂

Bem … a minha caminhada foi praticamente a mesma, exceto que eu não fui para lugar nenhum, apenas comecei a meditar num dos cantos do meu quarto, que dediquei especialmente às minhas sessões de meditação. Eu descobri a meditação num ponto da minha vida onde tudo parecia estar a desmoronar-se. A meditação deu-me um sentimento de controlo, mas não posso dizer que a meditação me deu esse sentimento de controlo “outra vez” porque eu nunca o tinha tido antes. A sensação de estar calma e ter as coisas sob controlo. Claro que ainda há momentos em que eu me sinto stressada, mas pelo menos agora sei como lidar com essas emoções. A meditação ajudou-me a decidir como é que eu quero reagir aos eventos externos em vez de deixar que as minhas emoções entrem em piloto automático.

 

O que é a meditação?

É importante notar que a meditação é diferente de relaxamento, embora para meditar é importante que estejamos num estado em que a mente e o corpo estão relaxados. A meditação pode ser definida como a capacidade de treinar e regular intencionalmente a atenção com o objetivo de relaxar e acalmar a mente e o corpo [1] e alcançar um estado alterado de consciência. A meditação permite-nos tornarmo-nos mais calmos e também entrar em contato com o nosso eu interior. Para explicar isto melhor, preciso de dedicar um artigo inteiro à definição de meditação, explicando os diferentes tipos. Eu recomendo que experimente vários tipos diferentes de meditação de modo a descobrir qual é o que funciona melhor para si. Alguns exemplos incluem a meditação de atenção (ou consciência) plena (“mindfulness”; prestar atenção ao momento presente), meditação de amor e bondade (imaginar enviar e receber amor e bondade), meditação de atenção focalizada (focar a atenção num único tópico), meditações do yoga, caminhada, dança e riso.

Gostaria de escrever mais sobre o que sabemos hoje-em-dia sobre a meditação ao nível do nosso cérebro, e também mais sobre os diferentes tipos de meditação e sua história. Por isso, irei dedicar artigos separados a cada um destes tópicos.

 

O impacto da meditação na nossa mente e saúde mental

O nosso cérebro faz tudo por nós, desde os simples atos de respirar e movimentar à resolução de problemas e tomada de decisão. O nosso cérebro controla todas estas ações físicas e mentais aparentemente sem esforço. Às vezes são tão fáceis que nem sequer pensamos nelas. No entanto, há momentos na vida em que o nosso cérebro fica exausto com todos os conflitos que enfrentamos no dia-a-dia. Às vezes, para alguns de nós, mesmo uma noite de sono não é suficiente para nos ajudar a recuperar bem. Às vezes a carga que pomos na nossa mente é tão pesada que ela não consegue funcionar em pleno. Esta carga mental pode ser, por exemplo, preocupações irrealistas e medos que se tornam destrutivos. Ou continuamos a ficar chateados com coisas que não são reais ou envolvemo-nos em conflitos que não valem a pena. Muitas vezes nem sequer paramos para refletir sobre o que estamos a fazer, muito menos tornarmo-nos conscientes de quão prejudiciais ou inúteis às vezes os nossos pensamentos são. Pensamentos causam sentimentos e sentimentos podem afetar não só a nossa saúde mental, mas também o nosso bem-estar físico. Às vezes parece que a nossa mente é um cavalo selvagem que não consegue ser domesticado. É exatamente durante esses momentos que eu recomendo fazer meditação. Antes de iniciar a meditação, a nossa mente parece um céu tempestuoso e, após a meditação, é como se as nuvens cinzentas se dissipassem e o céu se tornasse azul e calmo novamente. No entanto, é preciso dedicação e prática para atingir este nível.

Já alguma vez imaginou como seria a sua vida se pudesse fazer tudo o que tivesse decido fazer? Se tivesse uma maior força de vontade ou se conseguisse inibir-se de fazer certas coisas? A boa notícia é que a meditação pode ajudá-lo a melhorar o auto-controlo. Há vários estudos que mostram o impacto do tipo de meditação “mindfulness” na regulação das emoções e auto-controlo. A “mindfulness” é um tipo de meditação adaptada da meditação tradicional budista, na qual deve concentrar a sua atenção no momento presente, com aceitação e sem quaisquer pensamentos de julgamento. Os cientistas sugerem que as pessoas que praticam este tipo de meditação com regularidade conseguem regular melhor as suas emoções e auto-controlo [2]. Um exemplo de um maior auto-controlo como resultado da meditação “mindfulness” é a redução no abuso de drogas [3].

A meditação também tem um impacto positivo em indivíduos com problemas psiquiátricos ou psicológicos. E se pudesse sentir-se melhor apenas passando alguns minutos por dia a meditar? A prática regular da meditação ajuda a reduzir o stress [4-7], prevenir uma recaída de depressão [8,9], reduzir a depressão em pacientes que não responderam a antidepressivos [10], aliviar ou tratar a ansiedade [11], e muito mais.

A meditação e auto-compaixão também pode ajudá-lo a tornar-se mais feliz, uma vez que melhoram o sentimento de bem-estar e as emoções positivas associadas à felicidade. Num estudo recente, os investigadores descobriram que as pessoas que meditavam diariamente tinham pontuações de felicidade significativamente maiores [12].

Outros benefícios da meditação incluem um melhor funcionamento executivo, como controlo da atenção, auto-controlo, memória de curto prazo, flexibilidade cognitiva, resolução de problemas, planeamento e tomada de decisões [ver referências 13 e 14 para estudos em, respectivamente, toxicodependentes e população normal], atenção sustentada [15] (que é o tipo de atenção que usamos para nos concentrarmos numa tarefa específica durante um determinado tempo sem nos distrairmos), etc.

 

O impacto da meditação no nosso corpo e saúde física

Num estudo recente, a perda de memória e distúrbios cognitivos puderam ser revertidos num grupo de indivíduos com declínio cognitivo (adultos em risco de doença de Alzheimer), apenas ouvindo música e meditando [16].

A meditação pode melhorar a nossa saúde física indiretamente também, e isto é devido principalmente à redução do stress. Por exemplo, há estudos que mostraram uma melhoria da função do sistema imunitário após o treino autógeno (que é um tipo de meditação usada para redução do stress) em doentes com cancro [17] e após a meditação de compaixão em adultos saudáveis [18].

A meditação “mindfulness” levou à diminuição de um biomarcador inflamatório chamado Interleucina-6 [19], que influencia muitas doenças como a asma [20], a diabetes [21], a depressão [22], a aterosclerose [23], o cancro [24-26], a doença de Alzheimer [27], a artrite reumatóide [28] e muitas mais.

Num outro estudo, alguns adolescentes com um risco elevado de hipertensão foram divididos aleatoriamente em dois grupos: um grupo controlo, que não meditou, e um grupo de meditação, onde todos os invidiuos foram instruídos a meditar durante 15 minutos, duas vezes por dia e por um período de 2 meses. A pressão arterial, frequência cardíaca e débito cardíaco foram medidos após os indivíduos serem sujeitos a dois stressores (um simulação de condução de carro e uma entrevista social interpessoal) uma vez antes e uma após a sessão experimental de dois meses. O grupo que meditou durante esses dois meses teve uma diminuição da pressão arterial, da frequência cardíaca e da reatividade do débito cardíaco em resposta aos stressores [29]. Há também muitos outros estudos que mostram que a meditação leva a uma diminuição da pressão arterial em adultos com hipertensão [ver a referência 30 para uma meta-análise – a análise dos resultados encontrados em vários estudos].

 

Outros fatores importantes


Não podemos dizer “vou para o ginásio para melhorar a minha saúde” e depois do ginásio ir comer hambúrguer e batatas fritas, porque estas ações vão contradizer-se. O mesmo se passa com a meditação. Tentamos meditar para tirar o peso desnecessário que pomos na nossa mente, mas se quisermos que a meditação tenha efeitos positivos a longo prazo, precisamos de nos comportar de acordo com esse objectivo, mesmo quando não estamos a meditar. Precisamos de respeitar sempre outros fatores importantes como: não nos metermos em bisbilhotice ou mexericos, perdoar, tolerância, aceitação, amor e bondade, gratidão, não julgar, imaginar apenas o que queremos, etc. Só então é que vamos chegar ao estado de espírito calmo a que me referi. Também vou dedicar um outro artigo a este tópico.

Nos meus próximos dois artigos vou falar sobre:

1) Os diferentes tipos de meditação e como praticar cada um deles.

2) A investigação neurocientifíca sobre os mecanismos cerebrais da meditação, estudos que usaram a ressonância magnética funcional (fMRI) para estudar o cérebro de indivíduos enquanto praticavam meditação, e mudanças estruturais no cérebro de pessoas que meditam regularmente.

Muito obrigado pela leitura! =)
Marjan

Próximo artigo: Receita: tablete de chocolate saudável

 

Referências

1)    Goleman, D. J., & Schwartz, G. E. (1976). Meditation as an intervention in stress reactivity. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 44(3), 456.

2) Perry-Parrish, C., Copeland-Linder, N., Webb, L., Shields, A. H., & Sibinga, E. M. (2016). Improving self-regulation in adolescents: current evidence for the role of mindfulness-based cognitive therapy. Adolescent Health, Medicine and Therapeutics, 7, 101.

3)    Tang, Y. Y., Tang, R., & Posner, M. I. (2016). Mindfulness meditation improves emotion regulation and reduces drug abuse. Drug and alcohol dependence, 163, S13-S18.

4)    Williams, K. A., Kolar, M. M., Reger, B. E., & Pearson, J. C. (2001). Evaluation of a wellness-based mindfulness stress reduction intervention: A controlled trial. American Journal of Health Promotion, 15(6), 422-432.

5)    Astin, J. A. (1997). Stress reduction through mindfulness meditation. Psychotherapy and psychosomatics, 66(2), 97-106.

6)    Reibel, D. K., Greeson, J. M., Brainard, G. C., & Rosenzweig, S. (2001). Mindfulness-based stress reduction and health-related quality of life in a heterogeneous patient population. General hospital psychiatry, 23(4), 183-192.

7)    Shapiro, S. L., Astin, J. A., Bishop, S. R., & Cordova, M. (2005). Mindfulness-based stress reduction for health care professionals: results from a randomized trial. International Journal of Stress Management, 12(2), 164.

8)    Ma, S. H., & Teasdale, J. D. (2004). Mindfulness-based cognitive therapy for depression: replication and exploration of differential relapse prevention effects. Journal of consulting and clinical psychology, 72(1), 31.

9)    Velden, A. M., Piet, J., Møller, A. B., & Fjorback, L. (2017). Mindfulness-based cognitive therapy is efficient in the treatment of recurrent depression. Ugeskrift for laeger, 179(4).

10)    Sharma, A., Barrett, M. S., Cucchiara, A. J., Gooneratne, N. S., & Thase, M. E. (2017). A Breathing-Based Meditation Intervention for Patients With Major Depressive Disorder Following Inadequate Response to Antidepressants: A Randomized Pilot Study. The Journal of clinical psychiatry, 78(1), e59.

11) Hofmann, S. G., Sawyer, A. T., Witt, A. A., & Oh, D. (2010). The effect of mindfulness-based therapy on anxiety and depression: A meta-analytic review. Journal of consulting and clinical psychology, 78(2), 169.

12) Campos, D., Cebolla, A., Quero, S., Bretón-López, J., Botella, C., Soler, J., … & Baños, R. M. (2016). Meditation and happiness: Mindfulness and self-compassion may mediate the meditation–happiness relationship. Personality and Individual Differences, 93, 80-85.

13) Alfonso, J. P., Caracuel, A., Delgado-Pastor, L. C., & Verdejo-García, A. (2011). Combined goal management training and mindfulness meditation improve executive functions and decision-making performance in abstinent polysubstance abusers. Drug and alcohol dependence, 117(1), 78-81.

14) Chiesa, A., Calati, R., & Serretti, A. (2011). Does mindfulness training improve cognitive abilities? A systematic review of neuropsychological findings. Clinical psychology review, 31(3), 449-464.

15) MacLean, K. A., Ferrer, E., Aichele, S. R., Bridwell, D. A., Zanesco, A. P., Jacobs, T. L., … & Wallace, B. A. (2010). Intensive meditation training improves perceptual discrimination and sustained attention. Psychological science, 21(6), 829-839.

16) Innes, K. E., Selfe, T. K., Khalsa, D. S., & Kandati, S. (2017). Meditation and Music Improve Memory and Cognitive Function in Adults with Subjective Cognitive Decline: A Pilot Randomized Controlled Trial. Journal of Alzheimer’s Disease, (Preprint), 1-17.

17) Hidderley, M., & Holt, M. (2004). A pilot randomized trial assessing the effects of autogenic training in early stage cancer patients in relation to psychological status and immune system responses. European Journal of Oncology Nursing, 8(1), 61-65.

18) Pace, T. W., Negi, L. T., Adame, D. D., Cole, S. P., Sivilli, T. I., Brown, T. D., … & Raison, C. L. (2009). Effect of compassion meditation on neuroendocrine, innate immune and behavioral responses to psychosocial stress. Psychoneuroendocrinology, 34(1), 87-98.

19) Creswell, J. D., Taren, A. A., Lindsay, E. K., Greco, C. M., Gianaros, P. J., Fairgrieve, A., … & Ferris, J. L. (2016). Alterations in resting-state functional connectivity link mindfulness meditation with reduced interleukin-6: a randomized controlled trial. Biological psychiatry, 80(1), 53-61.

20) Peters, M. C., McGrath, K. W., Hawkins, G. A., Hastie, A. T., Levy, B. D., Israel, E., … & Johansson, M. W. (2016). Plasma interleukin-6 concentrations, metabolic dysfunction, and asthma severity: a cross-sectional analysis of two cohorts. The Lancet Respiratory Medicine, 4(7), 574-584.

21) Kristiansen, O. P., & Mandrup-Poulsen, T. (2005). Interleukin-6 and diabetes. Diabetes, 54(suppl 2), S114-S124.

22) Dowlati, Y., Herrmann, N., Swardfager, W., Liu, H., Sham, L., Reim, E. K., & Lanctôt, K. L. (2010). A meta-analysis of cytokines in major depression. Biological psychiatry, 67(5), 446-457.

23) Dubiński, A., & Zdrojewicz, Z. (2007). The role of interleukin-6 in development and progression of atherosclerosis. Polski merkuriusz lekarski: organ Polskiego Towarzystwa Lekarskiego, 22(130), 291-294.

24) Smith, P. C., Hobisch, A., Lin, D. L., Culig, Z., & Keller, E. T. (2001). Interleukin-6 and prostate cancer progression. Cytokine & growth factor reviews, 12(1), 33-40.

25) Anestakis, D., Petanidis, S., Kalyvas, S., Nday, C. M., Tsave, O., Kioseoglou, E., & Salifoglou, A. (2015). Mechanisms and Αpplications of Ιnterleukins in Cancer Immunotherapy. International journal of molecular sciences, 16(1), 1691-1710.

26) Xie, G., Yao, Q., Liu, Y., Du, S., Liu, A., Guo, Z., … & Yuan, Y. (2012). IL-6-induced epithelial-mesenchymal transition promotes the generation of breast cancer stem-like cells analogous to mammosphere cultures. International journal of oncology, 40(4), 1171-1179.

27) Swardfager, W., Lanctôt, K., Rothenburg, L., Wong, A., Cappell, J., & Herrmann, N. (2010). A meta-analysis of cytokines in Alzheimer’s disease. Biological psychiatry, 68(10), 930-941.

28) Nishimoto, N. (2006). Interleukin-6 in rheumatoid arthritis. Current opinion in rheumatology, 18(3), 277-281.

29) Barnes, V. A., Treiber, F. A., & Davis, H. (2001). Impact of Transcendental Meditation® on cardiovascular function at rest and during acute stress in adolescents with high normal blood pressure. Journal of psychosomatic research, 51(4), 597-605.

30) Anderson, J. W., Liu, C., & Kryscio, R. J. (2008). Blood pressure response to transcendental meditation: a meta-analysis. American journal of hypertension, 21(3), 310-316.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *